MISTÉRIO: O QUE É SETEALÉM?
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SETEALÉM: O QUE É? Luciano, meu nome é Mateus e eu tenho 30 anos. Na época, eu era apenas mais um na multidão, um desenvolvedor, um cara comum de Curitiba, mergulhado na rotina do código, da programação e da cafeína. Eu passava meus dias entre linhas de código e reuniões intermináveis na empresa, alimentando a minha mente com lógica e algoritmos. Voltando da empresa numa tarde cinzenta, o trânsito fervilhava ao meu redor. Uma dança caótica de metal e asfalto me cercavam e me acompanhavam. O motor tremia embaixo do capô e uma trilha sonora monótona me acompanhava no rádio. Então, como um suspiro súbito, o meu carro falhou. Ele teve um problema elétrico. Com o coração martelando no peito, eu deslizei para o acostamento, aproveitando que o carro ainda não tinha parado totalmente e fui buscar abrigo na borda da estrada. Na verdade, não era exatamente uma estrada, uma área urbana, era uma avenida. Mas aquela área em que eu parei se assemelha a um afastamento, um acostamento, mas é uma rua urbana. O fio invisível da ansiedade estava ao redor de mim, enquanto eu comecei a me preocupar. “Poxa, bem na hora de eu ir embora, eu tenho que passar por isso? Que droga. Bom, paciência. O jeito agora é eu ligar para a seguradora.” E foi o que eu fiz, Luciano. Confesso que, com os meus 30 anos de idade, já passei várias vezes por esse tipo de problemas no carro. Mas eu não sabia que esse dia seria assustador e mudaria a minha vida para sempre. Eu me senti um estranho no meio daquela paisagem urbana familiar. Como se a cidade estivesse se contorcendo ao meu redor, conspirando em silêncio contra mim. Na calçada, eu aguardava solitário, cercado pelo vazio da tarde. O mundo ao meu redor parecia desfocado, distante, como se estivesse suspenso em algum limbo entre o tempo e o espaço. De repente, enquanto eu estava lá, com meu celular na mão na calçada, esperando o bendito socorro vir, eu senti um toque súbito no meu braço. Esse toque rompeu a bolha da solidão e me fez saltar. Eu tomei um susto. Eu não tinha visto ninguém se aproximando, mas quando eu olhei, sim, alguém tinha se aproximado de mim. Eu me virei e me deparei com uma figura sombria, uma garota cuja presença eu nunca esqueci. Ela era mais um enigma do que uma resposta. Seus olhos pareciam não ter vida. Sua pele era pálida e parecia desafiar a própria natureza, como uma máscara de doença e tristeza. Sob o grosso cobertor cinza que ela usava, que era como se fosse uma manta, ela emanava um frio que penetrava até nos meus ossos, enquanto as suas unhas eram grotescas e longas e agarravam meu braço com força. Sua voz rouca sussurrou no meu ouvido, carregada de um eco macabro. Ela disse... “Setealém, o que é?” Isso mesmo, Luciano. Ela só disse isso. “Setealém, o que é?” O hálito dela era podre. Escapava dos seus lábios com um odor de morte. Então, repentinamente, como ela havia aparecido, ela saiu andando para longe. E eu confesso que o meu susto foi tão grande que eu não quis acompanhar a sua ida. Ela foi embora, me deixando com mais perguntas do que respostas. E o eco daquela sua pergunta começou a pulsar na minha cabeça. “Setealém, o que é?” Eu tive o presságio de que tempos sinistros estavam por vir na minha vida. A seguradora finalmente chegou e resolveu o problema do carro, me resgatando daquela incerteza na calçada. Eu segui para casa, mas a presença da garota assombrava os meus pensamentos como uma sombra persistente. Os seus traços macabros, o seu hálito pestilento, a sua voz rouca ecoavam na minha mente como um mantra sinistro. A frase... “Setealém, o que é?” Ressoava como um enigma sem solução, alimentando a minha dúvida crescente. No caminho para casa, o rádio permanecia em silêncio, como se até mesmo as ondas sonoras se recusassem a tocar na presença daquela aura das trevas que agora me envolvia. Eu me sentia derrotado, amaldiçoado, como se algo maligno tivesse se fixado na minha alma após aquele encontro com aquela garota. Sabe quando você sente que pegou alguma coisa da pessoa? Era assim que eu estava me sentindo, Luciano. O peso daquela experiência pairava nos meus ombros. Era terrível. Eu estava sufocado lentamente em uma escuridão sombria. Eu cheguei em casa como se eu fosse um espectro sem rumo, uma sombra em meus próprios passos. Eu não sabia nem para onde ir dentro da minha própria casa. Eu estava com fome, mas ao mesmo tempo a fome parecia não existir. Era como se, aos poucos, eu ia deixar de ter fome. Estranho, não? Ao mesmo tempo, sede também parecia que eu não sentia mais. Eu tinha necessidades, eu estava carente de coisas, mas eu não sentia ânimo para consumi-las. Eu fui tomar banho. O banho não me trouxe nenhum alívio, nenhum conforto. A água parecia incapaz de lavar a melancolia que estava agarrada na minha pele. Era uma segunda camada, uma camada suja de maldição que aquela moça colocou em mim. Na cama, o conforto habitual desapareceu. Foi substituído por uma sensação de desencaixe. Você, Luciano e os inscritos do seu canal sabem o que é essa sensação? De se deitar e a cama parecer não estar confortável? Você não estar confortável com o seu próprio corpo? Era isso que eu estava sentindo. Meu corpo e a cama estavam em frequências diferentes. A desmotivação se instalou como uma névoa densa no meu espírito. Me envolveu de uma maneira gelada. Eu estendi a minha mão e fiz como todo mundo faz. Peguei o meu celular, mas a tela brilhante não ofereceu nenhum conforto para mim. As redes sociais, normalmente uma distração para todo mundo, pareciam vazias e sem sentido, sem graça mesmo. Eu deixei o celular de lado e tentei desesperadamente encontrar o sono. Eu tinha que dormir. Eu tinha que acordar melhor, sem aquela sensação horrível. Mas parece que o sono também não queria me encontrar. Até que eu meio que consegui dormir. Meu sono foi como se fosse um labirinto de tormento. Duas horas que se esticaram como uma eternidade de agonia. Isso mesmo. Cada instante era uma batalha contra demônios internos. Um mergulho nas profundezas do desconforto naquela cama. A cama era um campo de batalha. Meu corpo era uma prisão de suor e ansiedade. Comecei a sentir azia. A azia começou a queimar a minha garganta. O descompasso do meu coração não me deixava dormir. Parecia que tinha uma escola de samba no meu peito. Ao mesmo tempo, a minha pressão aumentou tanto que eu senti o meu pescoço doer. De repente, o primeiro sinal sobrenatural: Comecei a ouvir risos e vozes ecoando nos cantos escuros da minha casa. Uma sinfonia de inquietude que me impedia de encontrar paz. Cada pensamento que vinha na minha mente era um pensamento negativo. Um pensamento de derrota. Um pensamento de perda. Era como se algo maligno não quisesse que eu relaxasse. Como se o tempo estivesse me empurrando em direção a algo muito ruim. Até que, finalmente, eu consegui dormir. E será que foi bom? Olha, eu tive um pesadelo... No meu pesadelo, eu caminhava por uma rua sombria que se estendia diante de mim. Olhos monstruosos me observavam nas calçadas dessa rua. Eram pessoas feias, distorcidas. Pareciam sorrir com maldade, com malícia, enquanto eu continuava a seguir em frente no meio da rua, sozinho. Essas pessoas nas calçadas me observavam enquanto eu me arrastava como um prisioneiro condenado. Havia um abismo, um buraco enorme no fim da rua. Aquilo era uma promessa silenciosa de morte. Eu sabia que se eu chegasse ali, eu ia morrer. Continuei andando, andando, andando. Eu ia chegar naquele abismo e ia morrer. Só que algo chamou a atenção atrás de mim. Eu me virei e vi aquela garota da rua, aquela garota que tinha tocado o meu braço. E olha que interessante. Ela estava muito diferente. Ela estava transformada. Ela tinha virado uma visão celestial. Ela estava linda, estava saudável. Não parecia realmente ela. Ela estava radiante e serena em sua beleza. Ela me olhou e disse: “Muito obrigada!” Seu agradecimento ecoou na minha cabeça e ela começou a flutuar e ir para o céu, me deixando lá, sozinho, com aqueles demônios que tinham aparência exatamente oposta à dela. E eu continuei caminhando em direção ao abismo. Meus pés foram afundando no chão lamacento, como se o próprio solo quisesse me engolir. Até que eu gritei e acordei. No dia seguinte, bom, eu tinha que trabalhar, não é mesmo? Eu me arrastei para o trabalho, embalado pela sensação de tristeza e depressão que pairava sobre mim como um manto cinzento. O café da manhã em casa não foi bom. Eu não consegui tomar. Teve um gosto amargo, não tinha gosto de nada agradável. Por mais que eu comesse as coisas que eu mais gostava, nada me descia. Eu tinha uma sensação de estômago vazio. Eu não conseguia comer. Parecia que algo apertava o meu pescoço e eu estava exalando um cheiro ruim, um odor muito estranho. Eu tinha sede, bebia água, mas a água me dava mais sede e eu estava tremendo. Comecei a sentir dores no corpo e eu não sabia se era porque eu tinha dormido mal ou por causa do pesadelo. No caminho do trabalho, distraído, eu fui manobrar e acabei raspando o carro naqueles postes de placa. Ou seja, eu não estava com sorte mesmo. Foi um lembrete amargo da fragilidade da minha concentração, como eu estava distraído. Eu não estava conseguindo focar em nada. Eu estava sem energia, Luciano, sequer para achar aquilo ruim. Eu nem lamentei, nem pensei em nada. Eu vi que o carro raspou, continuei indo para o trabalho. Eu só queria me deitar e dormir. Não tinha mais interesse de nada. No trabalho, eu fui uma sombra do que eu costumava ser. Eu estava lutando para me manter à tona num mar de tristeza e apatia. Cada tarefa que eu tinha que fazer era um desafio monumental à minha mente. Estava uma tempestade de pensamentos nebulosos. O tempo passou durante aquele dia sem eu perceber. A minha fome e a minha sede tinham silenciado e eu estava com uma sensação de opressão. Eu estava sentindo algo realmente segurando o meu pescoço, uma força invisível me sufocando. O dia foi tão rápido que eu perdi as horas e não consegui fazer nada de bom. Teve uma pequena reunião de trabalho que eu perdi. Eu não estava lá na hora. Eu não estava interessado. E todo mundo percebeu que eu havia faltado. Desconfiado de que eu estava doente, o peso da incerteza começou a me apavorar e eu estava sem energia para procurar médico. Eu não queria nem ir ao médico aquele dia. Eu só queria ir para a minha casa descansar. E foi o que eu fiz. Eu fui para a minha casa para tentar dormir. Não sabia o que fazer, não tinha ânimo para ir no médico e as posições na cama não agradavam. Mas quando eu finalmente consegui adormecer, meu celular tocou e eu acordei. Que droga, não? Bom, eu atendi o celular sem enxergar muito bem, coloquei o aparelho no ouvido sem prestar atenção em que horas eram e quem podia estar me ligando e uma voz masculina grave perguntou: “Setealém, o que é?” As palavras desse estranho foram como flechas afiadas que perfuraram meu coração. Ele falou isso, “Setealém, o que é?” E foi embora, encerrou a ligação rapidinho. Comecei a chorar, aquilo estava me atormentando. Comecei a me sentir angustiado e desesperado. Era como se algo além da minha compreensão estivesse me arrastando para um abismo de loucura, uma obsessão macabra que estava me envolvendo. Bom, com muito esforço, muito esforço mesmo, eu me levantei da cama e fui até o meu computador e eu digitei “Setealém, o que é?” O resultado da pesquisa foi um portal para um mundo de horrores desconhecidos. Um portal, modo de dizer, não abriu um portal na minha casa. Eu me deparei com coisas assustadoras. Eu não sabia sobre Setealém. Eu nunca tinha ouvido falar. Eu li tudo aquilo e vi que se tratava de um universo paralelo em que as pessoas iam e voltavam e contavam relatos. Alguns falavam que era uma lenda urbana, uma creepypasta. outros falavam que o Luciano, você, havia criado tudo isso e manipulado milhares de pessoas para acreditar. Havia ainda aqueles que falavam que era uma cidade, um bairro. Aquilo me assustou demais. Essa noite passou da mesma maneira que a outra, interminável, sem conseguir dormir, com pequenos cochilos interrompidos por pesadelos horríveis. Cada visão era mais terrível que a anterior. O medo estava me envolvendo demais. Eu sentia que algo tinha grudado em mim. No dia seguinte, mandei uma mensagem para o meu chefe avisando que eu não ia trabalhar, pedi perdão, falei para ele que realmente eu estava muito doente, que eu ia no médico, que eu tinha que mudar aquela situação. Para minha surpresa, o meu chefe respondeu de maneira extremamente agressiva e desrespeitosa, o que me deixou perplexo. Ele foi completamente ignorante comigo, ofensivo. Eu não entendi o porquê daquela resposta tão grave que ele me deu. Fiquei atônito, confuso. Eu me arrumei e chamei um carro de aplicativo para ir para o hospital que atendia ao meu convênio médico. Era mais prudente não ir dirigindo. Já havia batido o carro e não estava a fim de outro acidente. Eu queria realmente que um carro de aplicativo me levasse e me trouxesse sem estresse. Assim que o carro chegou, embarquei. O motorista me cumprimentou, confirmou o endereço, o hospital, eu falei que sim e deitei a cabeça no vidro. Poucos minutos depois, ele falou: “Doutor, chegamos”. Eu olhei para a rua e não era a rua do hospital. Eu falei: “Meu amigo, onde a gente está?”. Ele falou: “Ué, foi onde o senhor pediu pra ir, aqui nesse bairro já saindo de Curitiba”. Eu falei: “Não, eu não pedi para vir aqui!”. Ele retrucou impaciente: “Olha no seu aplicativo, você pediu para vir aqui, inclusive eu confirmei quando você entrou!”. O motorista começou a ficar hostil e eu percebi que não adiantaria eu discutir. Então, o que eu resolvi fazer? Desembarcar e pedir outro carro de aplicativo. Saí do carro e percebi que eu estava num lugar muito desolado, muito longe de onde eu tinha que estar, muito longe da minha casa. Eu estava num lugar que não tinha nada a ver com o destino que eu tinha que ir. E para piorar, eu tive uma sensação de que eu já tinha visto aquele lugar. Aquela rua, com aquelas casas... Sim! Era exatamente o cenário do meu pesadelo! Só que era de dia. E era em Curitiba. Como isso é possível? Eu tinha sonhado com uma rua da minha cidade que eu não conhecia e agora eu estava nessa rua. Peguei o meu celular para pedir outro carro de aplicativo, como eu tinha me proposto, porque era o único jeito de eu sair daquele lugar urgentemente. Porque, afinal, eu precisava ainda ir para o hospital. Só que, quando eu peguei meu celular, eu fui ver se tinha alguma mensagem do trabalho. Não tinha. Mas eu revi a mensagem do meu chefe, superagressivo comigo. Quando eu subi para ver o que eu havia escrito para ele, se era possível eu ter escrito alguma coisa que tinha duplo sentido, que ele pudesse me tratar mal, eu notei que eu tinha enviado para o meu chefe uma mensagem repleta de palavras cruéis e ofensivas, que eu não me recordava de ter escrito. Isso mesmo, eu tinha ofendido o meu chefe, falado um monte de coisa bem pesada. Como isso era possível? A sensação de eu estar perdendo o controle sobre a minha própria mente e os meus próprios atos me assombrou. Eu fiquei apavorado. Vi passar uma viatura policial e pensei em pedir ajuda, mas, na verdade, os policiais me chamaram antes. Eles fizeram um sinal para eu me aproximar. Eu me aproximei com a boa intenção de realmente falar com eles e pedir para que eles me levassem para o hospital, porque eu já estava me sentindo com febre, tonto e a minha visão já não estava boa. Quando eu cheguei perto dos policiais, um deles perguntou: “Setealém, o que é?”. Uma vertigem terrível tomou conta de mim. Meu corpo enfraqueceu na hora e eu senti uma pressão horrível. Os policiais começaram a rir e a risada deles começou a ecoar em volta de mim como uma sinfonia de maldade. Eu não entendi nada. Senti uma febre tão grande e a visão tão turva que comecei a andar que nem um alcoolizado, um bêbado trançando as pernas pelas ruas. E as ruas foram ficando desertas. Minhas pernas foram ficando fracas, vacilando a cada passo. Fui andando daquele jeito, me escorando nos postes, me escorando nos carros, me escorando nas paredes, até que algumas pessoas se aproximaram. Essas pessoas só falavam uma coisa pra mim: “Setealém, o que é?” E, depois que elas viam a minha confusão e o meu pavor, davam risada, uma risada sinistra carregada de maldade. Então, se afastavam. Idosos, crianças, homens, mulheres, pessoas de todo tipo se aproximavam com a boa intenção de me perguntar “Setealém, o que é?” A voz deles parecia distorcida, parecia mais grave, mais assustadora. Seus olhos eram amarelos. O tempo pareceu começar a se diluir em um borrão. Meus pés começaram a latejar de dor. Eu já não sabia há quanto tempo estava andando. Eu estava muito suado, muito, muito suado mesmo. A confusão foi tanta que percebi que não tinha mais o que fazer. Eu precisava urgente de cuidados, de socorro. Não estava conseguindo discernir qual era a melhor saída dessa situação. A minha vida estava praticamente destruída. Fui caminhando, caminhando, passando por essa situação digna de um filme de terror, ainda mais com febre. Poderia ser delírio? Não. Eu já tinha tido delírios de febre e sei que é bem diferente disso. Até que uma hora eu não aguentei mais e me encostei numa parede e fiquei observando a rua suja e indistinta diante de mim. Todos pareciam me olhar. Que horas eram? Percebi que estava anoitecendo. Como era possível? Eu tinha saído de casa de manhã, mas como meus pés estavam doendo, provavelmente eu já tinha perdido o dia todo. Algumas pessoas começaram a se aproximar e a dar muita risada. Jogavam água e sementes na minha direção. Queriam me ferir fisicamente e emocionalmente. Cada impacto era como uma flecha atingindo a minha alma. Enquanto eu me perguntava o que eu fiz para Deus para merecer isso. Bom, estavam me jogando sementes e água, aquela água podre, fedida. Uma água que nem parecia possível de ser bebida. Ao mesmo tempo em que me lançavam coisas, me faziam a pergunta: “Setealém, o que é?”. Essa pergunta era repetida incessantemente como um mantra macabro que ressoava nas profundezas da minha alma. E eu pensava em gritar: “Não sei, não quero saber, não me interessa!”, mas não tinha forças nem para isso. Estava com uma sensação de desamparo, desespero. Eu estava afundado nas trevas, amaldiçoado. Comecei a chorar. Nesses soluços, me vi cheio de sujeira e lágrimas. Já não conseguia compreender como eu tinha chegado naquela situação. Lentamente, notei que estava escurecendo demais. Fui me levantando, apoiado na parede. Me ergui com o corpo exausto e dolorido demais. O cenário ao meu redor era estranho e desolador. Nada mais era familiar nas ruas que eu conhecia. Era como se eu tivesse sido transportado para um mundo distante e esquecido. Um mundo perdido no tempo e entre outros mundos. Um local onde o progresso havia estagnado e a decadência era a regra. Eu estava me tornando quase que uma párea. Eu não sabia onde eu estava. Eu já quase não sabia quem eu era. Eu já não me lembrava direito da minha vida. Caminhei vagarosamente, procurando uma maneira de voltar para minha casa, mas já nem ligava mais. Se eu morresse por ali, estava bom. Foi então que um homem surgiu, saindo de uma porta de madeira. Ele se aproximou, falando para eu ficar calmo. Ele era gentil e tinha uma voz reconfortante. Eu já tinha sido maltratado, tão maltratado naquele dia, que eu não estava conseguindo mais confiar em ninguém. Porém, ele se aproximou com tanta cautela que eu não fugi. Ele trazia uma manta velha rasgada, suja, fétida, na cor cinza. E ele me cobriu, como se ele quisesse cuidar de mim, como se eu fosse um morador de rua. Então ele olhou bem nos meus olhos, com aquele rosto envelhecido e marcado pelo sofrimento, e eu pensei... “Ele está pegando ar para falar a tal frase, ele vai dizer ‘Setealém, o que é? Mas não foi o que ele falou. Ele falou: “Meu nome é Joílson. Não esquece, por favor, Joílson. Eu existi. Um dia eu existi. Eu nasci. Eu fui alguém. Não esquece...” Então ele acenou para mim, voltou para a casinha dele, acenou novamente antes de entrar e fechou a porta. Saí cambaleando pelas ruas desconhecidas, coberto naquela manta, impregnado com cheiro de cachaça e urina. A fome e a sede pareciam, ao mesmo tempo, dilacerar o meu estômago. Eu andava e me afastava cada vez mais da casa de Joílson... “Será que não era melhor eu pedir ajuda para ele? O único que me deu algo, o único que foi decente comigo... Podia pedir a ele, sei lá, uma cama para dormir, um canto, água, comida...” Só que a sede começou a vir de uma maneira muito forte e eu acabei bebendo a água podre das poças que estavam no chão. Eu bebi muita água de poças. Não consigo nem lembrar quantas poças foram. Eu andava, encontrava essas poças e me saciava a sede, mas nada saciava a fome. E eu estava andando daquele jeito, a minha pele estava mais branca do que o comum e rachada, meu corpo estava magro e meu cabelo estava emaranhado. Como era possível eu ter me transformado tanto em tão pouco tempo? Eu tinha virado quase um esqueleto pálido e doente em questão de um dia. Bom, a minha percepção é que tinha se passado um dia. As memórias começaram a ir embora e eu já não sabia mais muitas coisas da minha vida como Mateus. Eu não lembrava muito da minha vida fora daquele lugar, fora de Setealém. Os meus pés descalços estavam inchados e doíam a cada passo, mas eu continuava. Eu não senti alegria nem tristeza, apenas uma sensação de vazio. Eu já não tinha mais vontade de sobreviver. A tontura e a febre continuavam e eu senti a minha pele gelada ao mesmo tempo que eu tinha febre. Eu queria voltar para Curitiba. Fui andando e tentando reconhecer os lugares. Estava amanhecendo devagarinho e minhas pernas doíam tanto que eu já não conseguia dobrar os joelhos e nem deixá-los esticados. De repente eu tive uma sensação de reconhecimento e notei que eu estava em Curitiba! Percebi que além de estar de volta à minha cidade, eu estava no bairro onde fica o meu trabalho. Isso até que acendeu uma centelha, uma pequena sensação de esperança. Só que, antes que eu pudesse pensar em qualquer coisa, alguém se aproximou de mim. Eu fui abordado por um colega do meu trabalho. Ele me reconheceu. Ele estava preocupado com a minha condição. Ele falou: “Mateus, o que aconteceu com você, cara? Faz 15 dias que você desapareceu. Você saiu, não veio mais para o trabalho, sua família está preocupada! Você não está voltando para o seu apartamento mais. O que aconteceu? Você está horrível. Você mandou uma mensagem estranha para o nosso chefe e vazou! Todo mundo acha que você teve um surto. Tem gente que acha até que você já morreu!” Tentei responder para ele, mas a minha voz parecia que tinha se transformado em um... Como eu posso dizer? Um bolo de terra. Sabe quando a sua voz fica muito seca e você não consegue falar ou emitir nenhuma palavra? Parecia que eu tinha respirado toda a fumaça e toda a terra do planeta. Eu não conseguia emitir nenhuma frase. Esse meu amigo, meu colega de trabalho, não se preocupou com o fato de eu não conseguir articular nenhuma resposta coerente, apenas quis me ajudar. Com muita dedicação e compaixão, ele disse que iria me levar para um hospital e depois para uma delegacia para a gente ver o que aconteceu. Eu sorri e ele falou: “Credo, o que aconteceu com seus dentes, cara? Tudo podre! Espera aí que eu vou pegar meu carro.” Ele buscou seu carro e eu embarquei. Percebi que eu estava com cheiro muito ruim. No caminho em que nós estávamos indo para o hospital, percebi algo estranho na calçada. Uma pessoa estava brilhando. Um brilho estranho, um brilho dourado. Eu nunca tinha visto isso. Mas algo dentro de mim disse: “Olha aquela pessoa. É ela! É aquela pessoa!”. O carro estava passando exatamente no local onde o meu próprio carro tinha quebrado naquele dia em que a mulher havia me tocado. Pensei: “Será que aquela pessoa brilhando é a garota?” Fiz um sinal para o meu amigo parar porque eu não conseguia falar direito. Meu amigo me ignorou. Ele não conseguiu entender. Ele estava preocupado em me levar para o hospital e em respirar ar puro. Além disso, o carro estava indo tão devagar por causa do trânsito que, sem escolha, já que ele não ia parar, eu abri a porta e saltei do carro em movimento. O trânsito estava devagar, então nada me aconteceu. Na rua, corri em direção àquela luz, àquela pessoa que estava brilhando no mesmo lugar onde eu tinha quebrado o meu carro. Será que era aquela menina? Do outro lado da rua, o brilho permitiu que eu visse quem é que estava brilhando. Era um homem alto, magro, com o cabelo preso em rabo de cavalo. Falava ao telefone. Era um homem normal, só que estava brilhando. Eu me aproximei e acho que ele não me viu chegando. Segurei seu braço e ele se assustou muito com a minha aparência. E, mesmo com aquela voz travada, cheia de poeira e barro, apertei o braço dele e falei: “Setealém, o que é?”. Nesse exato momento em que as palavras deixaram os meus lábios, uma sensação de alívio tomou conta de mim. A minha febre passou na hora, a tontura desapareceu e eu comecei a sentir uma energia, um vigor que eu não sentia há dias. O homem ficou todo confuso e eu percebi o brilho dele sumindo, apagando. Rapidamente, saí correndo. Deixei o homem lá, confuso e o meu amigo no carro, também. Corri de volta para a minha casa. Cada passo que dava, eu estava impulsionado por uma força renovada. Ao chegar em casa, eu tomei um banho revigorante. Fiz a minha barba, que estava descuidada, comi como eu nunca havia comido antes. Comi tudo que tinha na geladeira. A refeição foi devorada de uma maneira desesperadora. A cada passo que eu dava dentro de casa, parecia que eu flutuava de alegria. O sabor dos alimentos estava me preenchendo com uma sensação de conforto e felicidade. Então, eu me deitei na minha cama e dormi o melhor sono da minha vida. Um sono restaurador. Como se todas as tensões e preocupações dos últimos dias tivessem ido embora. Sendo levadas pelo vento, Luciano. Fiquei novamente em paz e relaxado. Bom, quando eu despertei, entrei em contato com a minha empresa e detalhei a situação. Eles me falaram que eu tinha sido demitido porque, além de abandono de emprego, eu havia ofendido o patrão. Eu tentei explicar que estava passando por problemas mentais. Um surto. Falei que eu poderia envolvê-los em medidas legais se eles não me recebessem pessoalmente para conversar. Eles aceitaram. Fui lá no dia seguinte para uma conversa franca e, embora eu não tenha recuperado o meu emprego, consegui pedir perdão para o meu chefe pelas mensagens agressivas que nem sei como mandei. E consegui receber uma indenização. A demissão de abandono de emprego e de justa causa foi revertida para demissão normal. Por mais que eu tentasse, nunca consegui entender como enviei aquela mensagem para o meu chefe, com aquelas palavras grossas e nem como eu pedi um carro de aplicativo para um lugar estranho. Será que eu estava possuído, Luciano? Ao vasculhar as minhas roupas, encontrei algumas das sementes que haviam sido arremessadas contra mim naquele local estranho e desconhecido. Aquelas sementes eram as provas de que eu tinha realmente ido para um lugar existente, um lugar físico e que Setealém é real. O que eu fiz? Como bom nerd, decidi plantar uma dessas sementes em um pequeno vaso, um cachepozinho que eu tenho. Eu estava curioso em saber o que ia nascer dali. Com muito cuidado e atenção, preparei a terra e acomodei a semente ansioso para ver o que ia brotar. Uma semana depois, tive um sonho, onde novamente eu estava naquela cidade ameaçadora. Só que, agora, eu não estava indo em direção ao abismo. Observei as criaturas monstruosas na calçada, mas elas não estavam olhando para mim. Elas estavam olhando para outra pessoa, um homem que estava andando em direção ao abismo como eu havia feito antes. Era um homem alto, confuso, de cabelo preso em rabo de cavalo. Sim, era o cara que eu tinha tocado no braço, na rua. Eu tinha passado para ele a maldição. Vi também o Joílson, o morador local. Ele estava junto com a multidão de estranhos. Ele me viu e ele acenou para mim amigavelmente. Em algum momento, não sei como, o homem de rabo de cavalo que estava caminhando em direção ao abismo e já estava com a perna afundada na lama, se virou para trás e me viu. Nesse momento, eu comecei a brilhar e subir aos céus e disse a ele: “Muito obrigado!”. A sensação de paz e libertação me acompanhou enquanto eu emergia daquele sonho. Eu acordei bem, só que eu fiquei intrigado com o significado oculto por trás de tudo isso. Decidi compartilhar essa história com você e o pessoal do seu canal, Luciano, para garantir que sim, tudo é verdade. E também para dizer que o pobre Joílson, que me socorreu lá em Setealém, um dia, existiu, viveu e foi alguém. Eu sinto que eu tinha a obrigação de dizer isso. Por último, eu quero citar dois fatos curiosos, Luciano, que aconteceram comigo em decorrência a tudo isso. O primeiro fato foi que meses depois, quando eu estava numa balada aqui em Curitiba, fui abordado por uma mulher linda. Ela me segurou no braço e disse: “Nossa, que bom que você conseguiu passar para frente também! Me perdoa, tá? Eu não sei como isso funciona. Eu só vi você brilhando na rua e sabia que eu tinha que encostar em você e falar aquilo”. Sim, era ela, a garota. Ela estava bem diferente. Estava recuperada. Eu perguntei se ela sabia o que era Setealém e ela falou que ela pesquisou superficialmente. Ela não tem interesse em investigar mais a fundo. Nessa noite, eu acabei até ficando com essa garota nessa balada, a gente trocou números de WhatsApp, mas nunca mais nos falamos. Acho que não há interesse da nossa parte em reviver aquele assunto. O outro acontecimento estranho que aconteceu comigo depois disso, Luciano, foi que um dia, logo depois que eu voltei de Setealém, vamos dizer assim, ao retornar do meu trabalho, encontrei a porta do meu apartamento escancarada. Conversei com o porteiro para entender o que aconteceu e ele relatou que um casal muito bem-vestido alegou que tinha autorização legal e tinha a chave para entrar na minha casa. Eles pareciam ser autoridades, tinham documentos e eram muito persuasivos. Sem hesitar, eles invadiram o meu espaço e confiscaram o meu cachepô com a semente de Setealém. A semente, por sinal, já estava brotando uma espécie de pé de feijão azulado, uma coisa que eu nunca vi, meio transparente, meio neon. O sentimento de invasão e perplexidade me dominou enquanto eu me perguntava quem seriam essas pessoas e por que elas se apresentaram como autoridade interessada naquela modesta planta. E mais: como sabiam dela? Bom, Luciano, é isso. Eu não tenho mais nada para falar a respeito. Espero que você leia o meu relato. Não precisa contar se não quiser, mas se contar, vai ser um prazer saber o que as pessoas pensam. Um grande abraço do seu inscrito Mateus.
SETEALÉM: O PRIMEIRO CONTATO
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SETEALÉM: O PRIMEIRO CONTATO O ano era 1994. Os filmes do ano eram ótimos. O Sombra, Um Sonho de Liberdade, Street Fighter, Lobo com Jack Nicholson, Entrevista com Vampiro, Dom Juan de Marco, Pulp Fiction, Três Formas de Amar, Quatro Casamentos e um Funeral, Assassinos por Natureza, Meu Primeiro Amor, O Balconista, Forrest Gump, Debi e Lóide, Ace Ventura, Os Flintstones, Os Batutinhas, Um Tira da Pesada 3, Rei Leão, entre outros. A gente via esses filmes em videolocadoras ou no cinema, geralmente no cinema, porque havia um atraso nas locadoras e na TV aberta. O Skank, naquela época, estava lançando o álbum Calango, com músicas como Jack Tequila e É Proibido Fumar, Esmola, Te Ver, Pacato Cidadão e O Beijo e a Reza. Os Raimundos lançavam seu álbum de estreia. O Cidade Negra cantava Onde Você Mora, o Bon Jovi cantava Always, a Zélia Duncan cantava Catedral e tinha muito Kid Abelha, Soundgarden, Big Mountain, Madonna, Pretenders, Mariah Carey, Green Day, Pearl Jam, Roxette, R.E.M., Paralamas do Sucesso, Daniela, Mercury, Stone Temple, Pilots, Black Sabbath, Chico Science e Nação Zumbi e muitas outras coisas. O Chico Science tinha acabado de lançar o Da Lama ao Caos e o Brasil todo parecia estar em uma grande festa. O presidente da República na época era o Itamar Franco, ele era vice do Fernando Collor, que havia acabado de sofrer impeachment. Na TV as novelas que bombavam era a regravação de A Viagem, Pátria Minha, Tropicaliente e Quatro por Quatro. Estreava na TV o Castelo Rá-Tim-Bum. A extinta TV Manchete estreava Cavaleiros do Zodíaco e começava a passar a primeira temporada de Friends. Nesse ano, o Brasil se despediu de Ayrton Senna e do comediante Mussum. Tivemos a Copa do Mundo nos Estados Unidos e o Brasil virou tetracampeão em cima da Itália nos pênaltis, depois de um jejum de 24 anos. Eu tinha 19 anos e nunca tinha visto o Brasil ser campeão, então foi demais. A minha vida nessa época era assim. Com 19 anos, eu estava no segundo ano da melhor faculdade de propaganda e marketing da América Latina. Como eu trabalho desde os 16, eu estava muito agoniado de não poder trabalhar naquela época, porque os dois primeiros anos daquele curso eram no período da manhã, o que dificultava arrumar um emprego. Eu já havia trabalhado em uma videolocadora, que era como chamávamos a Netflix da época, por um bom tempo. Desde o colegial, eu já trabalhava e havia atuado como promotor de vendas em supermercado, vestido de ajudante da Mamãe Noel para uma empresa de vinhos, no ano anterior. Mesmo assim, eu estava realmente, como eu falei, agoniado de não poder ganhar meu próprio dinheiro. Eu estava pagando a faculdade, na época, que era bem cara, com uma grana que eu havia juntado desses empregos que eu falei agora. Ah, eu também havia juntado um dinheiro traduzindo jogos de tabuleiro que vinham dos Estados Unidos e da Inglaterra. Meu pai era diretor de marketing de uma grande empresa de brinquedos, muito famosa, e ele havia me passado a função de tropicalizar esses jogos, regionalizar. A empresa trazia um protótipo da gringa e eu, com apenas 17 anos, criava a versão em português, com nomes e regras. Eu cheguei a traduzir também alguns RPGs. Essa grana guardada, junto com o apoio dos meus pais, me ajudou a pagar a faculdade na época, parte dela pelo menos. Bom, eu estava no meu terceiro namoro longo, já fazia uns nove meses que eu estava com essa terceira namorada e eu também tocava em uma banda de rock. Eu costumava passar as madrugadas escrevendo, mesmo entrando cedo na faculdade. Gostava de ficar na sala de casa, à noite, na mesa de jantar, escrevendo em muitos e muitos cadernos, enquanto assistia ao Corujão, da Rede Globo, durante a semana. Eu morava no bairro do Ipiranga, em São Paulo, em um local chamado Vila Carioca. A faculdade ficava na Vila Mariana. Hoje, as ruas mudaram bastante, mas naquela época havia várias maneiras de realizar esse trajeto faculdade-casa. Cheguei até a voltar de carona um tempo com um amigo, que na verdade era um belo de um mão de vaca, porque ele me fazia pagar a gasolina e ainda não me deixava em casa, me deixava longe. Eu não sei se a consciência dele pesou ou se ele queria mais dinheiro, mas ele mesmo inventou uma desculpa que teria que passar em outros lugares para cancelar a nossa parceria da carona. Dependendo do caminho de volta, se eu passasse em outros lugares antes, acabava caindo na Avenida Domingos de Moraes, ainda meio distante da estação, o que me obrigava a andar um grande pedaço até a estação ou pegar um ônibus que fosse para lá. E que ônibus eu pegava? Bom, essa era a questão. Nesses dias em que eu me perdia caminhando para os lados da Domingos de Moraes, no sentido Avenida Paulista, eu ficava bem distante da estação. Apesar disso, eu sabia que qualquer linha de ônibus me levaria até ela, pois era uma linha reta quase sem cruzamentos. Na estação Vila Mariana, o ônibus que eu tomava era um tal de Sacomã que me deixava na região de mesmo nome. Lá, eu tinha que caminhar até a minha casa ou pegar outro ônibus. Ou seja, era um prato cheio para eu ir observando as pessoas, os trajes, os gestos e as falas, o que alimentava a minha veia literária. Eu também aproveitava o longo caminho para ler, ouvir rádio ou o meu Discman, que era como a gente chamava o Spotify na época. Então, durante a semana, eu saía da faculdade uma da tarde, mais ou menos, e aí dependendo dos meus compromissos, da pressa e do clima, se estava chovendo ou não, eu ia direto para a estação ou fazia o caminho mais longo. Esse caminho me levava para longe da estação e, como eu falei, eu podia pegar qualquer outro ônibus, o primeiro que passasse, pois todos levavam para um ponto da avenida onde eu facilmente chegava na estação. Não importava o nome, o número ou a cor do ônibus, todos iam até o ponto da avenida em que eu desembarcava para entrar na estação. Naquela tarde quente de outubro, após uma aula exaustiva de mercadologia, eu segui meu caminho costumeiro, mas em dado momento, para relaxar a cabeça, eu quis fazer a caminhada mais longa. Andei até a avenida, passei em algumas bancas de jornal, comprei uma revista Set, - sobre cinema – e alguns formatinhos da Marvel e, então, segui para o ponto de ônibus. Lá, coloquei um CD no discman e eu acho que foi o Chico Science e Nação Zumbi. As pilhas do aparelho estavam fracas e a voz do Chico Science parecia demoníaca. Peguei um livro. Naquela época, assim como hoje, eu lia demais. Sempre emendo um livro no outro, desde que eu me alfabetizei. Pouquíssimo tempo de espera depois, o ônibus chegou. Hoje, eu posso dar certeza para vocês, que estranhamente havia mais pessoas no ponto, mas ninguém mais deu sinal para o veículo parar, somente eu. Ninguém embarcou comigo naquele ônibus, por que será? Bom, embarquei sem olhar para nada, além dos degraus e das páginas do livro. Ninguém subiu comigo. Na época, embarcávamos por trás. Entrei e procurei um banco. Havia um espaço vazio do lado direito, ao lado de uma mulher que estava sentada no assento da janela. Fui até lá e me sentei. Segui lendo algumas linhas do livro por cerca de alguns minutos, até que eu senti, pela minha visão periférica, que aquela mulher estava me olhando. Sabe quando você percebe os olhos de alguém te queimando? Antes que eu tomasse qualquer providência, ela me cutucou, chamando a minha atenção. Eu parei de ler, fechei meu livro e olhei para ela, eu me lembro como se fosse hoje, era uma mulher baixa, morena, cabelos escuros, um pouco acima do peso, com feição muito séria. Ela me perguntou: - Você não vai para Setealém, vai? Eu apertei os meus olhos, tentando entender o que ela tinha dito, teria sido Santarém? Ela notou a minha confusão e insistiu: - Esse ônibus vai para Setealém, garoto, é melhor você descer! Eu ia perguntar para ela e ela falou novamente: - Desce, garoto! Sorri para ela. O nome “Setealém” havia ficado claro na minha cabeça, como se uma luz se acendesse. Olhei para todos os lados e todos, absolutamente todo mundo do ônibus estava me olhando. Todos sérios. Uma outra mulher, em pé, um pouco mais à frente, falou: - É moço, vai e desce. Eu hesitei, pensei em me levantar e descer, mas estava confuso. Nisso, um rapaz com uma pasta na mão, em pé, perto da outra mulher, foi mais agressivo, ele falou em tom de ameaça: - Desce aí, mano, desce agora! Antes que eu perguntasse o que estava acontecendo, o cobrador do ônibus, que também me olhava, gritou assim para o motorista: - Vai desceeeer! Nesse momento, o ônibus parou na hora. Ali não era exatamente um ponto, mas eu não me importei. Com todo mundo me olhando e me mandando descer, eu nem quis saber. Fui em direção à porta que já estava aberta. As pessoas no corredor foram abrindo o caminho, eu passei e elas ficaram me olhando, me acompanhando com o olhar. Eu me lembro que elas eram bem estranhas. E foi então que eu desci do ônibus e me vi próximo à estação. O ônibus virou à direita, em uma rua que geralmente nenhum ônibus entrava. Foi um trajeto incomum. Enquanto seguia e virava, eu juro para vocês, os passageiros me observavam e cochichavam entre si. Dezenas de pensamentos me ocorreram naquele instante. Será que eu tinha entrado num ônibus particular? Não podia ser. Havia um cobrador, afinal de contas. Teriam me confundido com alguém? Será que o ônibus seguia para alguma empresa ou alguma reunião? Eu nunca soube. Voltei para casa meio febril naquele dia, não parava de pensar no acontecimento e na palavra Setealém, Setealém. Seria um bairro, uma cidade? Falei com meu pai e com minha namorada. Chegamos a olhar no guia de ruas, que era como a gente chamava o Waze no século passado, mas não achamos nada. Ninguém nunca soube me dizer o que aquele nome significava. Naquele mesmo ano, passei a usar a palavra Setealém em minhas coisas pessoais. Assim eu podia, de repente, fazer alguma conexão ou descobrir alguém que soubesse o significado da palavra. Então, na própria década de 1990, eu tive uma banda chamada Setealém. Criei um personagem estilo super-herói chamado Setealém. Cheguei até a batizar um animal de estimação de um amigo de Setealém. Falei essa palavra Setealém para muitos amigos e inventei histórias espaciais chamadas Setealém. Quase tatuei a palavra em mim. Em 2004, com a febre da rede social Orkut, eu, que já usava como nickname a palavra Setealém em alguns bate-papos, decidi criar uma comunidade chamada Setealém. O mais engraçado é que nem cheguei a escrever a descrição na comunidade. Eu apenas coloquei o nome ali para ver se isso traria respostas e se o meu delírio faria algum sentido. Claro, rapidamente, os meus amigos e parentes que me conheciam, sabendo o quanto eu falava essa palavra para eles, entraram na comunidade, mas não colaboraram muito. Semanas depois, pessoas dos mais distantes pontos do país começaram a ingressar nessa comunidade me perguntando o significado da palavra. Muitas, ao mesmo tempo em que me perguntavam, também relatavam suas experiências incríveis, que, de maneira geral, se pareciam muito com a minha experiência. E a cada nova experiência, um relato interessante surgia. Com o passar do tempo, o objetivo principal da comunidade foi se desvirtuando. E acabou virando um fórum de histórias genéricas de terror e ficção. Como eu já tinha copiado cada um dos relatos, apaguei a comunidade para cuidar de assuntos de gente grande. Durante todos os anos, pelo menos duas ou três vezes por mês, eu sonho com Setealém até hoje. Nunca relatei nenhum dos meus sonhos, porque eu dou preferência ao relato de quem me manda, mas meus sonhos sempre foram assustadores e reveladores. Os relatos mais conhecidos de Setealém foram contados por mim, vindos dessa comunidade. Vez ou outra, encontro esses relatos que eu recebi e contei sendo contado por outras pessoas que, inclusive, mudam algumas coisas na história. Eu já vi gente contando o meu relato do ônibus como se tivesse acontecido com elas ou com um amigo delas. Em breve, eu vou contar algum desses relatos clássicos também. Em 2015, eu estava entediado no trabalho e vi uma postagem no BuzzFeed que se chamava “9 histórias que vão fazer você acreditar em um universo paralelo”. Eu li as histórias, já muito conhecidas como Creepypastas da Internet e decidi deixar um simples comentário de um parágrafo, de cinco linhas, contando esse meu relato do ônibus. Inexplicavelmente comecei a receber centenas de notificações de pessoas de todo o Brasil e fora dele comentando sobre esse meu relato, elogiando, dizendo que já ouviu falar em Setealém ou até contando um novo relato. Foi então que uma moça me chamou e disse que havia criado um grupo no Facebook para centralizarmos os relatos. Ela me colocou como administrador. Estranhamente, dias depois, ela começou a me tratar mal, ser grosseira, deu a entender que o namorado dela ou algum relacionamento dela, não estava gostando da comunidade. Então, numa madrugada, sorrateiramente, ela me tirou da administração do grupo e saiu da administração. Além disso, ela me bloqueou no WhatsApp e no Facebook. Como eu sempre acordo às quatro da manhã, naquele dia, inesperadamente, algo me disse para checar o grupo. Eu fui ver e estava sem administrador. Qualquer um que clicasse ali podia assumir a administração. Rapidamente, consegui solicitar para eu ser o administrador e tentei contato com a moça de todas as maneiras para entender o que havia ocorrido. Como eu sou insistente e, até certo ponto, ninja, mesmo ela me bloqueando em tudo, eu consegui falar com ela e a questionei. Ela disse que também não sabia, dando a entender que alguém ligado a ela, mas não ela, tinha feito aquilo. Eu não acreditei e, assim, interrompemos a amizade. Nem sei mais nada sobre ela, mas acredito que ela esteja muito arrependida. Com o passar do tempo, eu aprendi muitas coisas sobre Setealém, universos paralelos, multiversos, realidades alternativas, efeito Mandela, falhas na Matrix e assuntos desse tipo. Encontrei e encontro muitos inimigos pelo caminho. Dizem que Setealém é um assunto que vai e volta na história da humanidade e que a palavra sempre é esquecida para depois ser lembrada por algum indivíduo específico. Não sei se é verdade. Sei que muitos problemas inexplicáveis atuam para esse canal não crescer, o grupo de Facebook não aumentar, a página oficial de Setealém não ganhar inscritos, o grupo e o canal de Telegram não crescerem. Até o TikTok é barrado, estranhamente. Já recebemos ameaças, já fomos hackeados, roubados, bloqueados, copiados, clonados, ridicularizados, plagiados e desacreditados. Eu já recebi proposta para parar de falar, para dizer que é tudo um golpe de marketing, que Setealém tem ligação com magia negra, alquimia, ocultismo, PNL, Opus Dei, TFP, Terça Livre, Pirâmide, Fórum de São Paulo e torcida organizada do Ibis. Já apareceram agências de publicidade, hamburgueria, banda, música, cineastas amadores, escritores amadores, quadrinistas amadores, esquimós, cornos, alienígenas, tarados, swingueiros, stalkers, Maria Sete Além, ex-BBB, proposta de harmonização facial, bichectomia, homens de preto e vendedores de enciclopédia tentando influenciar no nosso trabalho ou até acabar com ele, mas o importante é que estamos aqui juntos e seguiremos firmes. Eu agradeço muito por você que está aqui comigo desde a época do Orkut e também a você que chegou agora. Muito obrigado. Vamos, juntos, espalhar a palavra. Luciano Milici
FINISTRUM: ELA ALTEROU A REALIDADE
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FINISTRUM: RELATO COMPLETO Boa madrugada, Luciano, Alminha e inscritos no canal. Vou contar meu relato e já adianto a vocês que parte das pessoas não vai acreditar, mas, outra parte não só acreditará como vai se lembrar que tudo isso ocorreu mesmo. Meu nome é Samanta, tenho 23 anos e sou de São Paulo. Minha rotina é bem movimentada. Pela manhã, vou para a Av. Paulista, onde estudo até o meio da tarde. Depois das aulas, dou uma passada na academia para me exercitar. Moro com meus pais e minha irmã mais nova, Maria Beatriz, que tem 16 anos. Tenho um grupo de amigas incríveis, mas as duas que estão sempre comigo são a Priscila e a Bárbara. Nós adoramos sair juntas e aproveitar a cidade. Além disso, tenho um companheiro de quatro patas em casa, meu cachorro, que alegra meus dias com sua energia. Nos finais de semana, gosto de relaxar e recarregar as energias no Parque do Ibirapuera. É um lugar incrível para passear, jogar vôlei ou simplesmente curtir a natureza. Ah, e uma das minhas paixões é ler. Adoro revirar os sebos da região da Paulista em busca de revistas e livros antigos. É sempre uma aventura encontrar tesouros escondidos entre as prateleiras empoeiradas. Sei que você também aprecia isso, não é, Luciano? Naquele dia, decidi sair um pouco mais cedo das aulas e dei um pulinho até a banca, perto da rua Haddock Lobo. Enquanto olhava as revistas, algo chamou minha atenção: uma delas estava coberta por um saco preto, como se escondesse algo mais...picante. Não me interessei muito por aquilo, então a deixei de lado e peguei uma revista de programação, voltada para uma linguagem que eu aprecio. Prefiro me manter focada nos meus estudos e hobbies mais construtivos. Aquela revista misteriosa não era para mim. Ao entrar no metrô, percebi que tinha comprado as duas revistas por engano. Acho que o jornaleiro a colocou na minha sacola, não sei. Ao abrir aquela que estava envolta no saco preto, minha curiosidade foi despertada. A capa não revelava nada de especial, apenas a fotografia de uma parede velha e suja, com azulejos quebrados e manchados. Estranhamente, aquela imagem causou um mal-estar, uma sensação desagradável que me fez arrepiar. O nome da revista, "FINISTRUM", parecia enigmático. Eu não consegui evitar a sensação de que algo estava errado com aquilo. Por que uma revista aparentemente comum teria uma capa tão perturbadora? intrigada, decidi folheá-la para descobrir mais sobre seu conteúdo. Folheei a revista "Finistrum" e fiquei perplexa com o conteúdo. Eram páginas repletas de imagens sombrias e perturbadoras de localidades abandonadas, sujas e esquecidas. Cada imagem vinha acompanhada de poucas palavras ou frases, mas o suficiente para intensificar a atmosfera sinistra que emanava da revista. Em uma página, deparei-me com a imagem em preto e branco de uma boneca quebrada, largada em um terreno baldio, com a palavra "PLURIMUSCO" escrita abaixo. A sensação que aquela imagem transmitia era de desolação e abandono. Outra página mostrava uma xícara quebrada sobre uma mesa velha e infestada de moscas, com a palavra "MAGNOLATUS". Aquela imagem era repugnante e o termo associado a ela só aumentava a estranheza do conjunto. A revista Finistrum despertava em mim uma mistura de fascínio e inquietação. Eu me perguntava qual seria o significado por trás daqueles enigmáticos termos e imagens. Enquanto folheava a revista, uma sensação estranha tomou conta de mim. Era como se meus dedos estivessem sendo arrastados pelas páginas por ganchos invisíveis, e meus olhos estivessem presos às imagens de forma inescapável. Tentei piscar, mas não conseguia. Meus olhos lacrimejavam e uma sensação de desespero começou a se instalar em mim. As palavras escritas abaixo das imagens não eram lidas, mas sim sentidas. Elas penetravam minha mente como ganchos afiados, causando dor e agonia. "Solvexus", "Auramentum", "Vincilux", "Veridusco", "Temporatio", "Lucidatus", "Celestalium", "Malgaroth", "Nefralyx" e outras mais ecoavam em minha cabeça, como um mantra perturbador. Eu me sentia aprisionada naquela experiência angustiante, incapaz de pedir ajuda ou me libertar da influência opressiva daquela revista misteriosa. Era como se estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar. Enquanto continuava a folhear a revista, percebi que me demorava exatamente um minuto em cada página, como se fosse o tempo necessário para algo se instalar em minha mente. Era como se uma programação obscura estivesse sendo gravada em meu cérebro, cada imagem e palavra sendo cuidadosamente inserida, como se estivessem se enraizando dentro de mim. À medida que meus olhos passavam por cada página, uma sensação perturbadora tomava conta de mim. A imagem vista se tornava branca, como se toda a sua essência tivesse sido absorvida por minha mente, e então eu passava para a próxima página, sem poder resistir. Enquanto isso acontecia, meus pensamentos pareciam ser invadidos por vozes diversas, falando em idiomas desconhecidos e em timbres estranhos. Eram como murmúrios vindos de além da compreensão humana, ecoando em minha mente e me deixando ainda mais inquieta e apreensiva. A sensação de estar perdendo o controle sobre mim mesma era avassaladora. O solavanco repentino no metrô me tirou do transe induzido pela revista, e as luzes se apagaram completamente. Meu coração disparou de pavor quando me levantei, tentando entender o que estava acontecendo. Mesmo na escuridão, meus olhos pareciam se adaptar, e pude distinguir que não estava mais no metrô. O ambiente ao meu redor era assustador. Eu estava em um quarto sujo, quebrado e velho, com paredes descascadas e um colchão queimado e mofado encostado em um canto. O cheiro de urina e fezes era forte e repugnante e as moscas zumbiam ao meu redor, acrescentando um toque macabro à cena. Um arrepio percorreu minha espinha e o medo começou a me dominar. Como eu havia parado ali? O que estava acontecendo? As imagens da revista "finistrum" ecoavam em minha mente, e eu temia que aquilo tudo estivesse relacionado de alguma forma. Desesperada, comecei a buscar por uma saída, implorando para que aquilo fosse apenas um terrível pesadelo do qual eu pudesse acordar a qualquer momento. Com o coração disparado, meus olhos se fixaram na porta do quarto, uma porta velha de madeira podre, como se fosse a minha única esperança de escapar daquele lugar sinistro. O arame improvisado no lugar da maçaneta parecia quase surreal, mas eu não tinha tempo para questionar. Com as mãos trêmulas, puxei a porta com toda a força que consegui reunir. À medida que a porta rangia ao se abrir, um ar gelado e úmido invadia o ambiente, fazendo-me estremecer. Eu sabia que algo de terrível estava acontecendo, mas minha mente estava turva, incapaz de raciocinar claramente diante da situação surreal em que me encontrava. Perguntas ecoavam em minha mente em meio ao caos: o que havia acontecido no metrô? O que havia acontecido com o mundo lá fora? Seria tudo apenas um terrível pesadelo do qual eu logo acordaria? Eu me agarrei à esperança de que tudo não passasse de uma ilusão, mas a sensação de realidade ao meu redor era avassaladora demais para ser ignorada. Assim que a porta se abriu, me vi diante de um corredor tão deteriorado e infestado quanto o quarto onde estava. A luz, embora fraca, era suficiente para iluminar o caminho à minha frente. as paredes desgastadas, algumas sem reboco, outras pichadas com símbolos desconhecidos, pareciam conduzir meu destino até uma escada de madeira à frente, sem corrimão. O corredor levava a uma escada. Arrisquei e acelerei até lá. Sem hesitar, deixei o medo guiar meus passos enquanto descia as escadas o mais rápido que pude. Não havia espaço para sutilezas, apenas o impulso desesperado de fugir daquele pesadelo que se desenrolava diante de mim. Cada rangido da escada ecoava como um grito de alerta em meu ouvido, intensificando meu terror e impulsionando-me em direção ao desconhecido que aguardava lá embaixo. Ao entrar na sala, me deparei com um cenário desolador. No centro, uma mesa de madeira estava ocupada por um casal que parecia ter sido arrancado de um conto de horror. Vestiam-se precariamente, com roupas velhas de algodão cru, sujas e rasgadas. Seus corpos magros e frágeis pareciam doentes e maltratados, envelhecidos muito além de sua idade aparente. Seus cabelos sujos e desgrenhados adicionavam uma aura de desespero à sua aparência desoladora. Ao me ver, o casal sentiu-se incomodado, mas, aparentemente, esperavam por mim. A mulher do casal olhou para mim com rancor e falou algo assim: “Você veio, né sua desgraçada?”. Eu ignorei a grosseria dela e perguntei onde eu estava e, desta vez, o homem falou: “Cê tá em casa, filha”. Sim, Luciano, por mais estranho que isso possa parecer, eles eram os meus pais. Estavam em condições e aparência horríveis. Tentei me aproximar e falei “mamãe”, mas a minha mãe pegou um talher torto e velho na mesa e apontou pra mim, me ameaçando. Ela disse que se eu me aproximasse, ela ia me furar. O choque me atingiu como uma avalanche quando percebi a verdade assustadora: aquela sala, aquele casal miserável, eram parte do meu mundo, da minha própria casa. Uma onda de horror e confusão me dominou enquanto eu tentava assimilar o que estava acontecendo. Como eu poderia estar ali, naquela situação desesperadora, quando momentos antes estava na segurança do metrô? o que havia acontecido para que tudo mudasse tão drasticamente? questões sem resposta rodopiavam em minha mente, alimentando o medo que crescia dentro de mim. eu sabia que algo terrível havia acontecido, algo que ultrapassava os limites da compreensão humana. E agora, eu estava presa nesse pesadelo, sem saber como escapar ou o que fazer a seguir. A sensação de desamparo era avassaladora, e eu me sentia como uma marionete nas mãos de forças além do meu entendimento. A mais estranho que era minha mãe mesmo. Não era minha mãe de um universo paralelo, transformada em um monstro. Era a minha mãe com muito sofrimento, ódio e rancor. Eu perguntei o motivo de me tratarem assim, mas meu pai perguntou: “Você não sabe, né, sua puta?”. Eu comecei a chorar muito, até que ouvi sons vindos da cozinha. Chamei por minha irmã: “Bia! Bia, sou eu, vem cá!”. Só que, da cozinha, veio o meu cachorro. Estava praticamente sem pelos, com um olho cego e sem uma pata. Veio triste e tentou se aproximar de mim, mas minha mãe o interceptou antes e falou: - Não, ele é nosso! Só nosso! A gente vai continuar comendo ele devagar, vai dar pra pelo menos mais uns 5 dias. Eu fiquei horrorizada e perguntei sobre a Maria Beatriz, a Bia. Minha mãe respondeu: - Você não sabe mesmo, sua vaca? Ela morreu. Ela já ia morrer mesmo. Tava doente e magra, mas aí levaram ela lá pro culto e ficaram com ela lá. Em prantos, eu perguntei definitivamente o que estava acontecendo. Minha mãe falou algo assim, Luciano: - A gente tá esperando você há anos. A gente sabe que foi você. Todo mundo do mundo sabe. Quando você leu o tal pergaminho, todo mundo no mundo sentiu. Você fez isso com a gente, Samanta! Eu entendi, mas não acreditei. Só de eu ter lido uma revista, o mundo tinha sido amaldiçoado? Eu devia estar sonhando, delirando. Então, questionei quanto tempo tinha se passado, que ano era aquele. Meu pai falou que era 2023 mesmo. Eu respondi que era impossível porque eu tinha lido a tal revista no metrô no final de 2023. Então, meu pai tentou me explicar algo que, até hoje, para mim, é o paradoxo dos paradoxos. Ele falou que, ao ler, eu fiz um pacto com um mundo horrível em nome de todo o planeta. Eu, como ser vivente no planeta Terra, dei autorização para os mundos se fundirem e se tornarem um só. E, ao fazer isso, eu não mudei o presente e o futuro, mas 10 anos no passado. Isso mesmo. Tudo mudou retroativamente. Ele falou: - Você desgraçou 10 anos no passado e acabou com o futuro. Não dá pra explicar mais que isso. E você não precisa entender. Todo mundo da Terra sabe que foi você, Samanta. A gente aqui tava só esperando você voltar. A gente vai levar você pra igreja, agora. Você precisa é orar. Eles queriam fazer algum grande mal a mim, como fizeram com a minha irmã nesse tal culto. Então, gritei com ódio e saí correndo para a rua. O cenário diante de mim era pior que apocalíptico. A rua estava completamente devastada, com escombros por todos os lados e uma enorme cratera que se abria na casa do vizinho. Apesar de ser final de tarde, a luz era fraca e sombria como a noite, filtrada por nuvens escuras e pesadas que pairavam ameaçadoramente sobre nós. O céu era povoado por aves estranhas, criaturas sinistras que voavam em círculos, como se estivessem à espreita de alguma presa invisível. Na rua, pessoas assustadoras se moviam em meio aos destroços. Elas estavam encurvadas, envoltas em mantos de algodão sujo que balançavam ao vento como se fossem feitos de chamas e seus olhos, da cor da chama de uma vela, tremulavam como se estivessem prestes a se extinguir. Cada detalhe desse mundo distorcido e assustador parecia saído de um pesadelo terrível, mas eu sabia que era realidade. Eu estava presa nesse inferno surreal, sem saber como cheguei ali ou como poderia escapar. O medo me dominava, enquanto eu lutava para compreender o que estava acontecendo ao meu redor. As pessoas ou coisas vivas na rua me viram e apontaram pra mim, todos sabiam que eu era a culpada. Esperavam por mim, para me punir. Pegaram pedaços de pau e coisas no chão e vieram em minha direção, mas eu não consegui me mexer de medo. Então, meus pais saíram da minha casa e gritaram para todos: - Olha ela aí, a vadia voltou! É tudo culpa dela, peguem ela e, de agora em diante, deixem a gente em paz! A culpa nunca foi nossa! Parem de nos torturar! Meus pais tinham sofrido horrores nesses 10 anos por minha culpa. O mundo todo os castigava. Então, eu saí correndo, Luciano, no sentido oposto das pessoas enfurecidas. O mundo estava diferente, mas, ao mesmo tempo, as referências que eu tinha se mantinham iguais. Fui em direção à casa da Priscila, uma das minhas melhores amigas, que ficava no quarteirão de baixo. Era óbvio que Priscila, se estivesse viva, também deveria estar com ódio de mim. Mesmo assim, lá eu poderia me esconder e tentar explicar. Se alguém me compreendia mais que meus pais, esse alguém era a Pri. Os seres e meus pais não conseguiam correr. Eles apenas caminhavam. Eram lentos e cansados. Eram estragados. Todo o bairro estava muito escuro. Aqueles pássaros estranhos, grandes e borrachudos me acompanhavam na fuga, torcendo pelo meu pior. Torcendo para se alimentarem da minha carcaça. Em uma calçada, vi algumas pessoas sentadas em transe. Pareciam usuários de drogas, mas tinham a mesma aparência sobrenatural da maioria. Eles me viram, mas pareciam não terem força para se levantar e me agredir. Um deles falou: “É ela! A que ferrou com o mundo!”. Outro deles, porém, falou algo intrigante. Ele disse: - Hey! Eu vi o seu relato em um canal do Youtube! Espera! Eu parei por um segundo e olhei para ele. Esse rapaz vestia um moletom e sua aparência não era semelhante à dos outros. Era ruim, mas ele ainda não estava totalmente transformado. Minha suspeita se confirmou quando ele falou: - Eu cheguei aqui acho que tem três dias! Doidera isso aqui, né? Fica tranquila que você vai sair, se eu me lembro bem! Com a proximidade dos meus perseguidores, abandonei-o lá e corri. Topei com uns seres que eram para serem cachorros, mas não eram. Eram amálgamas, deformidades, misturas com gatos e ratos. Em algumas esquinas, havia uns homens que se pareciam monges. Estavam de túnicas e não dava para ver seus rostos. Seguravam varas ou cajados enormes com ganchos na ponta. Quando eu passava por esses homens, eles entoavam uns cânticos esquisitos que me lembravam os pensamentos intrusivos que tive ao ler a revista Finistrum. Chorei muito e rezei. Perdi as contas do quanto pedi para Deus me despertar, até que cheguei no sobrado da Priscila. Estava tudo escuro. o portão da frente estava derrubado e as paredes pichadas e quebradas. Invadi antes que os meus perseguidores me alcançassem e vissem onde entrei. A sala da Pri estava uma bagunça. Tudo quebrado. O cheiro de podre era fortíssimo. No meio da sala, eu vi algo que parecia um corpo, mas não dava pra ter certeza porque tinha sido esmagado contra o chão por algum objeto há muito tempo. Estava seco e macetado contra o piso, completamente desidratado pelo tempo. Na hora, reconheci que aquele devia ter sido, um dia, o pai da Priscila. Chamei por ela chorando e pedindo socorro. Temi que ela estivesse morta. Corri a casa dela toda na parte de baixo e não a achei, então, fui para o andar de cima. No quarto da mãe dela, ouvi alguém tossir. Corri até lá e, nas sombras, escondida, estava a Priscila, minha amiga. Ela estava agachada e coberta com um edredom. Eu cheguei e falei que era eu. Pedi ajuda pra ela. Perguntei o que tinha acontecido com o mundo e que ela tinha que confiar que eu não tinha culpa. A Priscila estava com a voz super doce. Ela respondeu que estava me esperando e que sabia que eu voltaria. Que elas precisavam fugir porque as pessoas eram muito ruins e que o inferno tinha subido pra Terra. Ela explicou que, duma hora pra outra, todo mundo começou a se lembrar de que há 10 anos, em 2013, o inferno se manifestou na alma do mundo. Todo mundo ficou como se fosse possuído. Ninguém escapou. O mundo se tornou maligno, cruel e egoísta ao extremo. Todos os mais fracos foram devorados. Não havia mais amor, piedade, perdão, caridade ou carinho. Não havia mais sociedade e só se dava bem quem destruísse o outro. Eu só conseguia pedir perdão para Priscila. Chorei muito e fiquei feliz de ela me entender. Nessa hora, sugeri que a gente pegasse o carro do pai dela e fôssemos pra casa da Bárbara, nossa amiga. Priscila me explicou que, desde 2013, coisas elétricas, eletrônicas e movidas a combustão em geral passaram a funcionar de maneira diferente. Às vezes, nem funcionavam. Ela explicou que a ciência tinha mudado. As regras eram outras. Tudo de ruim, agora, era a lei. Tudo parecia mais sobrenatural e criaturas estranhas tinha tomado seu lugar no planeta. Provavelmente, segundo Priscila, o carro de seu pai nem funcionaria. Eu insisti pra gente procurar pela Bárbara, mas a Priscila falou que não precisava mais, porque em 2013, as forças sobrenaturais já tinham resolvido isso. Ela falou algo do tipo: - Foi a única coisa boa que as forças sobrenaturais fizeram, Samanta, veja... Então, Priscila arrancou o cobertor e se levantou, ficando em pé. - Samanta, as forças sobrenaturais me juntaram com a Bárbara, veja. Agora, a gente é feliz porque somos uma só e você poderá se juntar com a gente também! Luciano do céu! A Priscila tava costurada com a Bárbara! De verdade! Mas a Bárbara já tava toda roxa, estranha, mas parecia que respirava. As duas estavam com as cabeças juntas, derretidas, grudadas. Pra você ter uma ideia, as duas cabeças juntas somavam três olhos. Um olho de uma ponta era da Priscila. O outro olho, da outra ponta, era da bárbara e, no meio, tinha um olho escroto, largo, malformado que misturava as írises das duas. Só de lembrar, já me dá ânsia. E o corpo delas também estava mesclado, mas não de uma maneira bonita, harmônica e simétrica. Parecia que dois bonecos de massa mole tinham caído no chão, um sobre o outro. Um dos três braços e meio desse ser segurava um martelo. E a Priscila falou: - Meu pai não gostou de eu me juntar com a Babi. Acho que ele não aceitou a nossa união. Por isso, a gente deu um jeito nele, Samanta! Eu gritei, comecei a rezar alto e saí correndo. A Priscila ainda falou, como último recado: - Não fica rezando essas obscenidades aqui, não, Samanta. O pessoal da igreja é muito rigoroso com heresia! Essa última frase tinha a voz mesclada da Priscila e da Bárbara. Tenho pesadelos com isso até hoje. Bom, eu corri da casa dela e pensei: “vou me jogar naquela cratera perto da minha casa. ou eu acordo ou eu morro”. Saí na rua e notei que as criaturas que me perseguiam não estavam por lá. Voltei andando, devagar, nas sombras. Eu não queria ser vista. Só que fui. Eu tinha me esquecido daquelas pessoas sentadas na calçada que pareciam usuários de drogas. Aquele menino de moletom que disse ter chegado há uns três dias me viu e se levantou. Ele veio até mim e falou que o nome dele era Gabriel. Então, quis confirmar: “E o seu é Samanta, né?”. Confirmei e ele disse: - É sério, você já mandou o seu relato para um canal de Youtube. Eu juro que ouvi. Mas foi lá pra 2023 ou 2024. Não sei. Eu estava confusa. Ele me puxou para um canto mais escuro da rua e falou: - Eu vim pra cá em 2024, mas aqui, dizem ser 2023. E eu me lembro que você desgraçou o mundo em 2013. Não é engraçado? Eu estou com duas memórias conflitantes. Ao mesmo tempo que tenho dó de você, também tenho muito ódio! Chorei muito. Aquele menino era a única prova real, a única pessoa mais ou menos boa que eu encontrei. Pedi pra ele me ajudar e ele falou algo assim: - Sim, sim, eu me lembro do relato que contaram no Youtube. Você contou que encontrava um rapaz chamado Gabriel, pedia ajuda e ele ajudava. Sim, esse sou eu! Acho até que foi por isso que você mandou seu relato, pra me avisar sobre alguma coisa. Na verdade, vou te ajudar agora, sim... eu senti uma pontinha de alegria e esperança nesse minuto. então, ele era a prova viva de que eu conseguiria sair. mas, ele também poderia ser um paradoxo. ele poderia se lembrar de algo que não iria acontecer mais. afinal tudo ali era maluco e não tinha lógica. Gabriel, então, me explicou algo assim: - O jeito é você ir até a tal igreja. Não tem jeito. Você vai lá e tem um portal atrás do altar que só você consegue passar. Eu não entendi o motivo de ele ou de outros não conseguirem passar, mas confiei em suas palavras. Não tinha escolha. Perguntei onde ficava a igreja e Gabriel falou que não sabia, mas que ia procurar comigo. Ele disse que lembrava poucos detalhes do meu relato. Concordei em procurar, mas eu estava com muito, muito medo. Andamos devagar. Tentei me lembrar onde poderia ter uma igreja no meu bairro, mas nem precisamos procurar, no final da minha rua dava pra ver, lá longe, um galpão grande, largo, alto parecendo uma enorme caixa preta com um tipo de um anzol ou gancho vermelho pintado nele. No telhado dessa caixa tinha uns 5 daqueles monges com túnica segurando uma vara. Fui com o Gabriel até lá. Todo o tempo, eu perguntava o que ia acontecer, mas ele não se lembrava. No caminho, vi coisas tão horríveis, Luciano, coisas tão obscenas que prefiro nem lembrar. Chegamos ao tal edifício ou igreja. Havia uma portinha no meio. Eu tava morrendo de medo de ir até lá porque eu lembrava que minha irmã tinha sido devorada lá. Fomos devagar até perto da entrada, tentando nos esgueirarmos para não nos verem. Quando chegamos há alguns metros da portinha, senti muito medo e avisei ao Gabriel que não ia ter como eu entrar lá. Dava pra ver que tava tudo escuro e cheio de gente gritando, orando e se torturando. Era como um pedaço de um inferno cego. Nesse momento, Gabriel só me pediu desculpas. Eu não entendi no momento, mas, depois, atrás de mim, estavam meus pais, uns quatro daqueles monges e umas dez daquelas pessoas feias daquele lugar. Sorriam. Gabriel me segurou com força e me entregou para meus pais. Comecei a me debater e a chorar. Pedi pelo amor de deus, mas Gabriel falou algo assim: - Eu lembro bem, Samanta, não esquenta. Vai dar tudo certo pra você. Eu é que me ferrei e vou morrer aqui, mas, talvez, dê pra evitar. Quando voltar, conte a todos. Deixe bem claro no seu relato que meu nome é Gabriel e eu estou de moletom. Diga que eu vim pra cá um dia que eu estava sozinho, perto das onze da noite, enquanto caminhava por uma praça e pensava em Setealém. É isso! Luciano, nesse exato segundo, surgiram do meio das pessoas, a horrível deformidade Priscila / Bárbara. Elas agarraram Gabriel e o deitaram no chão. Elas dividiam uma boca e meia em sua deformidade e, mesmo assim, com as arcadas dentárias misturadas, morderam fundo o pescoço de Gabriel e ficaram lá, devorando-o. Ele somente se debateu, sem gritar. Comecei a chorar e desisti. Queria que tudo acabasse logo. Aqueles malucos me arrastaram no chão pelos cabelos. Doeu demais. Fui levada pra dentro da igreja. Nessa hora, roguei pra Deus me levar. Fui arrastada naquele chão cheio de coisas muito, muito nojentas e obscenas até perto do altar. Nesse doloroso trajeto, vi imagens inexplicáveis e ouvi sons assustadores. O odor, por si só, era insuportável. Nesse momento, pensei: “Pelo menos, Gabriel disse que tem um portal atrás do altar. Essa pode ser a minha chance!”. Deduzindo que eu tava entregue, meus captores relaxaram um pouco e eu me aproveitei para me levantar e correr para trás do altar em busca de um portal. Não havia portal e era exatamente isso que eles queriam que eu fizesse, Luciano. Atrás do altar tinha algo gigante. Algum ser humanoide e desconhecido. Essa criatura me segurou, como deve ter feito com a minha irmã algum dia no passado e, lentamente, com lentas e dolorosas mordidas, devorou meu corpo membro a membro. Gritei e senti toda a dor. Meus pais riam, todos os presentes vibravam e os monges comemoravam erguendo seus ganchos. Fui desperta por dois seguranças do metrô. Fui socorrida porque, aparentemente, eu estava tendo um ataque parecido com o epiléptico. Estranhamente, já estávamos próximos à última estação da linha, muito longe da estação Brigadeiro. Segundo eles, não houve informações de meu mal-estar até então, como se eu tivesse sumido durante a viagem e reaparecido no final do trajeto. Bom, essa é a minha teoria. Fui para a minha casa incrédula. Não havia sonhado ou delirado. Tudo havia sido real. Desde então, algumas pessoas do meu convívio e algumas desconhecidas, quando me veem, dizem que se lembram de mim e de algo ruim ligado à minha pessoa. Eu mandei esse relato para vários canais, mas analisando os relatos que você conta, esse tem mais a sua cara. Estou lhe enviando isso na esperança de salvar Gabriel, se ele for mesmo real. Não há sinal da revista naquela banca. Lá, ninguém se lembra dela e nem de terem colocado o exemplar na minha sacola. Ninguém viu a revista no vagão do metrô também. Isso tudo foi real e eu tenho marcas físicas para provar. Meus pais dizem que se lembram de coisas assustadoras e eu tenho certeza de que muita gente no mundo pode lembrar levemente de o planeta ter ido para uma realidade paralela. Algumas pessoas podem estar compartilhando memórias conflitantes sobre mim. Não é o seu caso, é Luciano? Espero que nunca ninguém encontre aquela revista e, se encontrar, jamais leia. Tudo o que foi dito aqui eu atesto como verdade. Beijos, Samanta.